Opinião: Onde estão as bandas com personalidade que não se escondem atrás de guitarras rápidas?

Por muitos anos, o metal brasileiro foi sinônimo de técnica. Em especial, técnica de guitarra. Não é à toa: o país revelou ao mundo alguns dos maiores nomes da palhetada veloz e dos arpejos em velocidade absurda. Kiko Loureiro, Edu Ardanuy, Rafael Bittencourt, Hugo e Luís Mariutti, Marcelo Barbosa, entre tantos outros, formaram uma escola de guitarristas que brilham em qualquer palco do planeta. Mas isso também criou uma armadilha: a cena passou a girar em torno de solos com milhares de notas em poucos segundos e esqueceu que o que realmente prende o público não é o BPM, e sim a identidade. Se tem algo que a cena não precisa agora é de outra banda de power metal genérico.

Hoje, é raro encontrar uma banda de metal nacional que não esteja preocupada em soar “mais técnica” ou “mais rápida” do que a anterior. O que falta é personalidade. Falta coragem para compor algo que não busque apenas impressionar músicos de YouTube, TikTok e Instagram, mas tocar quem ouve. A música precisa ressoar no peito, na memória e no estômago do público. O metal nacional caiu na sociedade da performance descrita pelo filósofo Byung-Chul Han.

“A sociedade do desempenho está dominada pela compulsão ao trabalho e à produção. O sujeito do desempenho se explora até o esgotamento”, diz o filósofo.

A música tem um forte componente de nostalgia. Você precisa se lembrar de onde estava ou o que fazia quando ouviu aquela faixa pela primeira vez. Afinal, música não é só trabalho. Antes de tudo, música é arte.

Bandas como Shaman (que chegou ao fim de novo em 2023) e Caravellus entenderam que virtuosismo é apenas um meio, não o fim. Elas têm técnica, sim, mas usam isso para construir músicas com alma, com narrativa, com emoção. O Shaman, desde sua estreia com Ritual (2002), mostrou que era possível misturar prog, power, percussões tribais e música brasileira de forma orgânica e cativante. E olha só: não foi com uma música com um milhão de notas por minuto que eles emplacaram uma música que foi trilha sonora de novela. A Fairy Tale é uma música com emoção, personalidade e virtuosismo.

Já o Caravellus, com o recente Inter Mundos (2022), provou que um disco pode ser conceitual, lírico e politizado — sem parecer pedante ou derivativo.

Essas bandas nos lembram que metal é expressão. Metal é contracultura. É aquele som que desafia o status quo, e esse status quo muda com a consolidação de tendências e precisa ser novamente desafiado.

É possível ser técnico e emocional ao mesmo tempo. A personalidade está nos vocais que soam únicos (como os de Alírio Netto ou Daisa Munhoz), nas letras que não parecem copiadas de um gerador de palavras épicas, e nas composições que ousam ter silêncio, melodia, variação — não só escalas e batidas quebradas.

Thiago Bianchi, justiça seja feita com ele que foi muito criticado pelos “fãs” ao assumir os vocais do Shaman nos álbuns Immortal e Origins, também é dono de um talento único e fez coisas muito interessantes ao longo da carreira. O Nocturnall conseguiu unir técnica e personalidade, se mantendo como uma espécie rara e que deve ser protegida do risco da extinção.

O problema é que a cena nacional muitas vezes não valoriza isso. Pelo menos, não como deveria. É comum ver bandas autorais com ideias novas sendo ignoradas enquanto os tributos aos anos 80 ou 90 lotam casas de show. Ou até bandas pequenas da Finlândia que têm no Brasil algo impensável: ter um show solo no maior país da América do Sul. É o reflexo de uma cultura que, em vez de fomentar identidade de bandas nacionais, cultiva nostalgia e competição técnica.

Chegou a hora de mudar esse paradigma. De apoiar artistas que querem mais do que impressionar: querem comunicar. Que têm coragem de soar diferentes, de escrever letras que não falem apenas de dragões, espadas, guerras e honra. Bandas que criam universos próprios, e não apenas simulacros de estilos consagrados.

O metal nacional tem talento de sobra. Mas precisa parar de mirar nas sextinas na guitarra e no pedal duplo na bateria e começar a fazer músicas que acertem o coração de quem ouve.

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